segunda-feira, 7 de maio de 2012

Diário da Manhã de Erechim- 28/06/2003

Declarar publicamente o que pensamos é certeza de incômodo. 
O presidente Lula o faz sem rodeios. Reafirmou que mesmo que o congresso fique contra, ele vai fazer reformas. Depois que escrevi na coluna da semana passada que acho jóia que o Presidente faça mudanças, alguns conhecidos fingiram que não me ver na rua, mas recebi alguns cumprimentos. 
Porém, a verdade, quem saberá? Talvez tenha me precipitado. 
De que reformas estará falando? 
Da reforma na previdência, espero... Meu correspondente em Frankfurt aumenta minha angústia ao comentar: "O seu presidente diz uma coisa, mas o ministro Amorim diz outra". Pergunta o que nós brasileiros pensamos da intimidade do nosso Lula com o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, se percebemos que esta aproximação é indício do rumo que as coisas podem tomar na potência Brasil. Respondo que não sei, que vou ficar atenta. 
O noticiário diz que o nosso Lula é muito habilidoso, que esta avançando em conversações com o Fidel Castro e com o Hugo Chávez, dois líderes que sempre foram difíceis em diálogos. Não quero ser cega, fico na ponta dos pés, espicho o pescoço, arregalo os olhos. 
Só enxergo uma densa nuvem envolvendo o poder, o propósito é o de confundir, nos tornar uma multidão de neurastênicos, pendentes e dependentes de suas decisões, que somos, roendo as unhas, estralando os dedos e torcendo para que, apesar dos titubeios e deslizes, no final, más decisões não nos arranquem o couro. 
Cabeça entre as mãos – canseira. Sou tomada de desânimo e dúvidas. O presidente da Venezuela, apesar das críticas, pode não ser o bicho que estão pintando. Será boa companhia para nosso Lula? Abro o jornal e dizem que ele luta contra os interesses escusos que os americanos tem em seu bonito e petrolífero país. 
A Venezuela é o quarto maior exportador mundial e o terceiro maior para os Estados Unidos. Uma amiga venezuelana argumenta que o que falam de bem sobre ele é fruto de uma campanha publicitária milionária, que ele acabou com as instituições democráticas. 
Muitos venezuelanos declaram que ele é um ditador autoritário, outros dizem que ele reformou seu país, para melhor. 
Meus olhos ardem, já passa da meia noite, entre descobrir a verdade e seguir sendo assaltada por todas as dúvidas possíveis, chega a madrugada. 
A única certeza é que já não conseguirei mais fazer a caminhada matinal, talvez nem trabalhar a manhã toda, tampouco com alegria. Certamente essa cara acordará às dez da manhã, amarela, amassada, com olheiras de panda; a imagem desoladora refletida no espelho será o fruto de meus questionamentos. Igual os sofistas gregos, concluo que vivemos em um mundo estruturado para confundir. Se pegamos o caminho errado? Na chegada ao inferno, encontraremos os demônios que nos iludiram em vida, nos recebendo aos berros : -Otários, entre gargalhadas. Isso, ainda? Sem encontrar a solução para estas questões sobre as quais pondero por idealismo e nas quais os outros trabalham por dinheiro, concluo que o melhor que tenho a fazer é...pesquisar mais um pouco! 
Desenvolver ceticismo. Na net peço uma pesquisa sobre Fidel Castro. Na tela abre-se um quadro vermelhão com letras brancas, foices e pontas se chacoalham e fazem círculos. Salto fora, ouço a voz da minha mãe entranhada em meu subconsciente me mandando dormir.- Mãe...estou fazendo a minha parte, preciso analisar a questão para fazer escolhas sensatas. 
A mãe, prática, responde: - Você se desgasta à toa, quer morrer cedo? Quem se interessa em tornar este mundo sensato? Você ouviu hoje mesmo na voz do Brasil, que o neto do senador mais criticado do país, foi eleito deputado, dando assim, seqüência à oligarquia familiar? Desliga isso e vai dormir! Amanhã tens que trabalhar no quadro para o concurso, passar no banco, falar com a Têre, procurar as notas fiscais do rádio que estragou, entregar o vídeo na locadora, não te basta? 
Desligo o computador e me deito vestindo o blusão de lã de lhama. Em Erechim estamos a 700 m acima do nível do mar, noite fria de bater queixo. Antes de adormecer tento recordar onde foi que li que na Venezuela, em 11 de abril de 2002, durante uma gigantesca marcha de protesto na qual as pessoas pediam a renúncia do presidente Hugo Chávez, e protestavam contra o fechamento de cinco estações de tv pela alegação de abuso da liberdade de expressão, a multidão foi debandada a tiros. 
Dezenove pessoas morreram e oitenta e oito ficaram feridas. 
Isso é real ou pesadelo? 
Vou escrever uma carta pedindo ao nosso Lula que seja mais pragmático em seus discursos, que se afaste deste menino...o Hugo Chávez... e que não esqueça de escovar os dentes antes de dormir...


Crônica que escrevi e foi publicada no Jornal Diário da Manha -Erechim RS,  28/06/2003

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